2 Cálculo Variacional

Um dos problemas pertinentes ao cálculo variacional é o de encontrar uma função \(y=y(x)\), satisfazendo as condições de contorno \(y(x_1)=y_1\) e \(y(x_2)=y_2\), que faça com que o funcional

\[ I = \int_{x_1}^{x_2} f(x,y,y')dx\text{,} \]
onde \(f(x, y, y')\) é uma função de classe \(C^1\) (Ver Definição no Apêndice ), tenha valor mínimo ou máximo. Esse processo é chamado de minimizar ou maximizar o funcional. Minimizar ou maximizar um funcional é o mesmo que torná-lo estacionário. Assim, dizer que o funcional é estacionário é o mesmo que dizer que ele é mínimo ou máximo. Os valores \(x_1\), \(x_2\), \(y_1\) e \(y_2\) são números dados.

Para para encontrar a função \(y=y(x)\) procurada, são necessárias algumas ferramentas, dentre as quais a abordada neste estudo é a equação de Euler-Lagrange. Os conceitos, definições e resultados apresentados neste capítulo foram elaboradas segundo \citeonline{mefassan}, \citeonline{calcvar} e \citeonline{calcvar_campos}.

2.1 Equação de Euler-Lagrange

De início, é preciso demonstrar um Lema, conhecido como Lema de Lagrange, que servirá como base para a dedução da equação de Euler-Lagrange.

Sejam \(x_1 < x_2\) fixos e \(G(x)\) uma função contínua particular para \(x_1 \leqslant x \leqslant x_2\). Se

\[\int_{x_1}^{x_2} \eta (x) G(x) dx = 0\]
para cada função diferenciável \(\eta (x)\) tal que \(\eta (x_1)=\eta (x_2)=0\), concluímos que \(G(x)=0\), para todo \(x\) de modo que \(x_1 \leqslant x \leqslant x_2\).

Prova

Suponha que existe \(\overline{x}\) tal que \(x_1<\overline{x}<x_2\) e \(G(\overline{x})\neq 0\). Podemos supor, sem perda de generalidade, que \(G(\overline{x})>0\). Como \(G\) é contínua, existe uma vizinhança \(\overline{x_1} \leqslant \overline{x} \leqslant \overline{x_2}\) onde \(G(x)>0\) em toda a vizinhança.

É possível construir a seguinte função \(\eta (x)\):

\[ \eta (x) = \begin{cases} 0 & \text{para } x_1 \leqslant x < \overline{x_1}\\ (x-\overline{x_1})^2(x-\overline{x_2})^2 & \text{para } \overline{x_1} \leqslant x \leqslant \overline{x_2}\\ 0 & \text{para } \overline{x_2} < x \leqslant x_2 \end{cases} \]
e então reescrever a integral do seguinte modo:
\[ \int_{x_1}^{x_2}\eta (x) G(x)dx =\int_{\overline{x_1}}^{\overline{x_2}}(x-\overline{x_1})^2(x-\overline{x_2})^2G(x)dx\text{.} \]

Como \(G(x) > 0\) em \(\overline{x_1} \leqslant x \leqslant \overline{x_2}\), a integral do lado direito é estritamente positiva, contradizendo a hipótese. Portanto, \(G(\overline{x})=0\). A demonstração considerando \(G(\overline{x})<0\) é análoga.

Suponha \(x_1\), \(x_2\), \(y_1\), \(y_2\) dados, \(f\) uma função de \(x\), \(y\) e \(y'\) duas vezes diferenciável. É preciso construir uma família de funções admissíveis1, \(Y_{\varepsilon}(x)\), definida por:

\[ Y_{\varepsilon}(x)=y(x)+\varepsilon \eta (x)\text{,} \]
onde \(\eta (x)\) é uma função diferenciável arbitrária para a qual \(\eta (x_1)=\eta (x_2) = 0\). O número \(\varepsilon\) é o parâmetro da família. A representação gráfica das funções admissíveis pode ser vista na Figura 2.1. Assim, a derivada de \(Y\) em relação a \(x\), \(Y'(x)\), é
\[ Y'(x)=y'(x)+\varepsilon \eta '(x)\text{.} \]

1 - Em outras literaturas, essas funções admissíveis podem ser chamadas, também, de funções aproximadoras, porém, devido ao uso de nomes parecidos em outros capítulos deste trabalho, foi preferível o emprego do nome funções admissíveis.

Figura 2.1 - Representação gráfica das funções admissíveis.
Fonte: Elaborada pelo autor, 2019.

Reescrevendo a integral utilizando as funções admissíveis definidas, tem-se

\[ I(\varepsilon)=\int_{x_1}^{x_2}f(x, Y_{\varepsilon}, Y')dx\text{.} \]

Note que a função procurada \(y(x)\) é o membro da família \(Y_{\varepsilon}(x)\) quando \(\varepsilon = 0\). Ou seja, se \(\varepsilon = 0\) pode-se substituir \(Y_{\varepsilon}\) e \(Y'\) por \(y\) e \(y'\), respectivamente. Deste modo, a função que determina os extremos do funcional em é a mesma que determina os extremos em tomando \(\varepsilon=0\).

A condição necessária para que uma função de uma variável real tenha um extremo em algum ponto é que sua primeira derivada se anule nesse ponto. Então, é necessário que

\[ I'(0)=0\text{.} \]

Com o intuito de que não haja confusão com as notações, é necessário deixar claro que \(I'(\varepsilon)\) é a derivada de \(I\) em relação a \(\varepsilon\), enquanto que \(y'\), \(Y'\), \(\eta'\) são derivadas em relação a \(x\).

Utilizando a Regra de Leibniz (Teorema do Apêndice ), a derivada de pode ser escrita como

\[ I'(\varepsilon)=\int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial \varepsilon} (x, Y_{\varepsilon}, Y') dx \text{,} \]
e, aplicando regra da cadeia, obtêm-se
\[ I'(\varepsilon)=\int_{x_1}^{x_2}\left ( \frac{\partial f}{\partial x}\frac{\partial x}{\partial \varepsilon} + \frac{\partial f}{\partial Y} \frac{\partial Y}{\partial \varepsilon} + \frac{\partial f}{\partial Y'} \frac{\partial Y'}{\partial \varepsilon} \right )dx\text{,} \]
onde a primeira parcela do integrando é nulo, dado ao fato de que \(x\) independe de \(\varepsilon\), portanto \(\dfrac{\partial x}{\partial \varepsilon}=0\), ou seja,
\[ I'(\varepsilon)=\int_{x_1}^{x_2}\left ( \frac{\partial f}{\partial Y}\frac{\partial Y}{\partial \varepsilon} + \frac{\partial f}{\partial Y'}\frac{\partial Y'}{\partial \varepsilon} \right ) dx \text{.} \]

Derivando em função de \(\varepsilon\), tem-se \(\dfrac{\partial Y}{\partial \varepsilon}=\dfrac{\partial y}{\partial \varepsilon}+\dfrac{\partial}{\partial \varepsilon}(\varepsilon \eta)\), de onde conclui-se que \(\dfrac{\partial Y}{\partial \varepsilon}=\eta\), pois \(y\) e \(\eta\) independem de \(\varepsilon\). O mesmo acontece com , donde verifica-se que \(\dfrac{\partial Y'}{\partial \varepsilon}=\eta'\). Deste modo, de , obtêm-se a integral

\[ I'(\varepsilon)=\int_{x_1}^{x_2}\left ( \frac{\partial f}{\partial Y} \eta + \frac{\partial f}{\partial Y'} \eta ' \right )dx \text{.} \]

Para calcular \(I'(0)\), tem-se que \(\varepsilon=0\) e, então, podemos trocar \(Y\) e \(Y'\) por \(y\) e \(y'\), respectivamente, obtendo

\[ I'(0)=\int_{x_1}^{x_2}\left ( \frac{\partial f}{\partial y} \eta + \frac{\partial f}{\partial y'} \eta ' \right )dx \]
\[ I'(0)= \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y}\eta dx + \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y'}\eta' dx \text{.} \]

Integrando a segunda parcela, por partes, tomando \(u=\dfrac{\partial f}{\partial y'}\) e \(dv=\eta'dx\) de onde obtêm-se \(du=\dfrac{d}{dx}\left ( \dfrac{\partial f}{\partial y'} \right )dx\) e \(v=\eta\), segue que,

\[ I'(0)= \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y}\eta dx + \left ( uv \Big|_{x_1}^{x_2} - \int_{x_1}^{x_2}vdu \right ) \]
\[ I'(0)= \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y}\eta dx + \left ( \frac{\partial f}{\partial y'}\eta \Biggr|_{x_1}^{x_2} - \int_{x_1}^{x_2} \frac{d}{dx}\left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) \eta dx \right ) \]

Sabe-se que \(\dfrac{\partial f}{\partial y'}\eta \Big |_{x_1}^{x_2}=0\), devido ao fato de que \(\eta(x_1)=\eta(x_2)=0\), portanto, pode ser reescrita como

\[ I'(0)= \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y}\eta dx - \int_{x_1}^{x_2} \frac{d}{dx} \left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) \eta dx \]
\[ I'(0)=\int_{x_1}^{x_2}\left ( \frac{\partial f}{\partial y} - \frac{d}{dx} \left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) \right )\eta dx \]
que, a partir da condição necessária , deve ser igualada a \(0\):
\[ I'(0)=\int_{x_1}^{x_2}\left ( \frac{\partial f}{\partial y} - \frac{d}{dx} \left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) \right )\eta dx = 0 \text{.} \]
permitindo, pelo Lema , obter a seguinte equação:
\[ \frac{\partial f}{\partial y} - \frac{d}{dx} \left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right )=0 \text{.} \]

A equação diferencial é chamada de equação de Euler-Lagrange e permite encontrar uma função \(f\) que maximiza ou minimiza a integral .

2.2 Condições de contorno naturais e essenciais

Durante o processo para a obtenção da função \(y(x)\) que torna o funcional estacionário aparecem algumas condições de contorno que devem ser tratadas cuidadosamente. Por exemplo, tomando o funcional

\[ I=\int_{x_1}^{x_2} f(x, y, y')dx \text{,} \]
tem-se, da Seção , que sua condição de estacionariedade é dada por
\[ \int_{x_1}^{x_2} \left ( \frac{\partial f}{\partial y} - \frac{d}{dx} \left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) \right ) \eta dx + \frac{\partial f}{\partial y'}\eta \Big |_{x_1}^{x_2} = 0 \text{,} \]
onde, como já tratado, \(\eta\) representa uma variação da função exata conhecida.

Admitiu-se, em , que \(\eta(x_1)=\eta(x_2)=0\), porém isso nem sempre acontece. Existem casos em que, para que a condição de estacionariedade seja válida é preciso, primeiro, que a primeira parcela de seja nula, donde se resulta a equação de Euler-Lagrange

\[ \frac{\partial f}{\partial y} - \frac{d}{dx}\left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) = 0 \text{,} \]
e, ainda, que
\[ \frac{\partial f}{\partial y'}\eta \Big |_{x_1}^{x_2} = 0 \text{,} \]
de onde, geralmente, surgem as duas igualdades
\[ \frac{\partial f}{\partial y'} \Big |_{x=x_1} = 0 \text{,} \]
\[ \frac{\partial f}{\partial y'} \Big |_{x=x_2} = 0 \text{.} \]

É importante deixar claro que pode acontecer, por exemplo, de \(\eta(x_1)=0\) e \(\eta(x_2)\neq 0\), ou vice-versa, e, consequentemente, reduz-se uma dessas condições de contorno.

Essas condições de contorno são denominadas condições de contorno naturais do problema ou, ainda, problema de valor de contorno de Neumann. Elas tendem a aparecer normalmente durante o processo de encontrar \(y(x)\), tornando o funcional estacionário.

Para o caso de funcionais que dependem de derivadas de ordem superior, da forma

\[ I=\int_{x_1}^{x_2} f(x, y, y', \dots, y^{(n)}) dx \text{,} \]
aparecem diversas condições de contorno parecidas com e . Um destes exemplos aparece em .

Outro tipo de condições de contorno que aparecem com problemas do cálculo variacional são condições de contorno geométricas. As condições de contorno geométricas precisam, necessariamente serem satisfeitas e são denominadas de condições de contorno essenciais ou, ainda, problemas de valor de contorno de Dirichlet.

A equação de Euler-Lagrange é uma equação diferencial e, quando resolvida, fornece uma solução geral, em função de suas constantes. Para determinar essas constantes e, deste modo, a solução particular para a equação de Euler-Lagrange trabalhada é necessário o uso tanto das condições de contorno naturais quanto das condições de contorno essenciais, como poderá ser visto no da .

2.3 Equação de Euler-Lagrange para funcionais que dependem das derivadas de ordem superior

Existem também, funcionais que dependem de mais funções, funções de mais de uma variável ou, ainda, que dependem de derivadas de ordem superior. O último caso será mostrado aqui, tendo em vista seu uso nos próximos capítulos. Considere o funcional

\[ I=\int_{x_1}^{x_2} f(x, y, y', y'', \dots, y^{(n)})dx \text{,} \]
onde \(y^{(n)}\) representa a \(n\)-ésima derivada de \(y\). Pode-se aproximar \(y(x)\) através de funções admissíveis \(Y_{\varepsilon}(x)=y(x)+\varepsilon \eta (x)\), onde \(\eta(x_1)=\eta(x_2)=0\) e \(\eta(x)\) deve ser uma função de classe \(C^n\) (Ver Definição no Apêndice ). Desse modo,
\[ Y'(x)=y'(x)+\varepsilon \eta ' (x) \text{,} \]
\[ Y''(x)=y''(x)+\varepsilon \eta '' (x) \text{,} \]
\[ \vdots \]
\[ Y^{(n)} (x)= y^{(n)}(x)+\varepsilon \eta^{(n)} (x) \text{.} \]

Substituindo \(y\), \(y'\), \(y''\), \(\dots\), \(y^{(n)}\) por suas funções admissíveis \(Y\), \(Y'\), \(Y''\), \(\dots\), \(Y^{(n)}\) em , o funcional pode ser escrito como

\[ I(\varepsilon) = \int_{x_1}^{x_2} f(x, Y_{\varepsilon}, Y', Y'', \dots, Y^{(n)}) dx \text{,} \]
donde, derivando em função de \(\varepsilon\), por meio da Regra de Leibniz (Teorema do Apêndice ), tem-se
\[ I'(\varepsilon) = \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial \varepsilon} (x, Y_{\varepsilon}, Y', Y'', \dots, Y^{(n)}) dx \text{.} \]

Aplicando a Regra da Cadeia em , \(I'(\varepsilon)\) pode ser escrita como

\[ I'(\varepsilon)=\int_{x_1}^{x_2} \left ( \frac{\partial f}{\partial x} \frac{\partial x}{\partial \varepsilon} + \frac{\partial f}{\partial Y} \frac{\partial Y}{\partial \varepsilon} + \frac{\partial f}{\partial Y'} \frac{\partial Y'}{\partial \varepsilon} + \frac{\partial f}{\partial Y''} \frac{\partial Y''}{\partial \varepsilon} + \cdots + \frac{\partial f}{\partial Y^{(n)}} \frac{\partial Y^{(n)}}{\partial \varepsilon} \right ) dx \text{,} \]
onde \(\dfrac{\partial x}{\partial \varepsilon} = 0\), pois \(x\) não depende de \(\varepsilon\), assim,
\[ I'(\varepsilon)=\int_{x_1}^{x_2} \left ( \frac{\partial f}{\partial Y} \frac{\partial Y}{\partial \varepsilon} + \frac{\partial f}{\partial Y'} \frac{\partial Y'}{\partial \varepsilon} + \frac{\partial f}{\partial Y''} \frac{\partial Y''}{\partial \varepsilon} + \cdots + \frac{\partial f}{\partial Y^{(n)}} \frac{\partial Y^{(n)}}{\partial \varepsilon} \right ) dx \text{.} \]

Derivando as funções admissíveis \(Y\), \(Y'\), \(Y''\), \(\dots\), \(Y^{(n)}\) em relação a \(\varepsilon\), como já feito anteriormente, é possível substituir em , os valores de \(\dfrac{\partial Y}{\partial \varepsilon}\) por \(\eta(x)\) e \(\dfrac{\partial Y^{(i)}}{\partial \varepsilon}\) por \(\eta^{(i)}(x)\) onde \(i=1, 2, \dots, n\). Assim, pode ser reescrito como

\[ I'(\varepsilon)= \int_{x_1}^{x_2} \left ( \frac{\partial f}{\partial Y} \eta + \frac{\partial f}{\partial Y'} \eta' + \frac{\partial f}{\partial Y''} \eta'' + \cdots + \frac{\partial f}{\partial Y^{(n)}} \eta^{(n)} \right ) dx \text{.} \]

Fazendo \(\varepsilon=0\), pode-se substituir \(Y\), \(Y'\), \(Y''\), \(\dots\), \(Y^{(n)}\) por \(y\), \(y'\), \(y''\), \(\dots\), \(y^{(n)}\), respectivamente, então

\[ I'(0)= \int_{x_1}^{x_2} \left ( \frac{\partial f}{\partial y} \eta + \frac{\partial f}{\partial y'} \eta' + \frac{\partial f}{\partial y''} \eta'' + \cdots + \frac{\partial f}{\partial y^{(n)}} \eta^{(n)} \right )dx \]
\[ I'(0)= \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y} \eta dx + \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y'} \eta' dx + \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y''} \eta'' dx + \cdots + \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y^{(n)}} \eta^{(n)} dx \text{.} \]

As integrações para o caso geral serão omitidas aqui. Nas duas subseções proximas, será mostrado o processo para o caso em que \(n=2\) e a equação geral para derivadas até a ordem \(n\).

2.3.1 Processo para funcionais que dependem de derivadas de segunda ordem

Fazendo uso de e pode-se considerar o caso em que \(n=2\), onde o funcional é dado por

\[ I=\int_{x_1}^{x_2} f(x, y, y', y'')dx \text{,} \]
e \(I'(0)\) é dado por
\[ I'(0)= \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y} \eta dx + \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y'} \eta' dx + \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y''} \eta'' dx \text{.} \]

A segunda parcela pode ser integrada, por partes, com \(u=\dfrac{\partial f}{\partial y'}\) e \(dv=\eta'dx\), donde \(du=\dfrac{d}{dx} \left ( \dfrac{\partial f}{\partial y'} \right ) dx\) e \(v=\eta\), logo

\[ \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y'}\eta ' dx = \frac{\partial f}{\partial y'}\eta \Big |_{x_1}^{x_2} - \int_{x_1}^{x_2} \frac{d}{dx} \left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) \eta dx \text{,} \]
mas \(\eta(x_1)=\eta(x_2)=0\), ou seja, a integral pode ser reescrita como
\[ \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y'}\eta ' dx = - \int_{x_1}^{x_2} \frac{d}{dx} \left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) \eta dx \text{.} \]

A terceira parcela deve ser integrada duas vezes por partes. Na primeira integração, seja \(u=\dfrac{\partial f}{\partial y''}\) e \(dv=\eta''dx\), onde \(du=\dfrac{d}{dx} \left ( \dfrac{\partial f}{\partial y''} \right) dx\) e \(v=\eta '\). Assim,

\[ \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y''} \eta '' dx = \frac{\partial f}{\partial y''} \eta ' \Big |_{x_1}^{x_2} - \int_{x_1}^{x_2} \frac{d}{dx} \left ( \frac{\partial f}{\partial y''} \right ) \eta ' dx \text{.} \]

Integrando, por partes, a segunda parcela de , tomando \(u=\dfrac{d}{dx}\left (\dfrac{\partial f}{\partial y''}\right )\) e \(dv=\eta'dx\), de onde \(du=\dfrac{d^2}{dx^2}\left ( \dfrac{\partial f}{\partial y''} \right ) dx\) e \(v=\eta\). Portanto,

\[ \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y''} \eta'' dx = \frac{\partial f}{\partial y''}\eta ' \Big |_{x_1}^{x_2} - \left [ \frac{d}{dx} \left ( \frac{\partial f}{\partial y''} \right ) \eta \Big |_{x_1}^{x_2} - \int_{x_1}^{x_2} \frac{d^2}{dx^2} \left ( \frac{\partial f}{\partial y''} \right ) \eta dx \right ] \text{,} \]
e, como \(\eta(x_1)=\eta(x_2)=0\),
\[ \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y''} \eta'' dx = \frac{\partial f}{\partial y''}\eta ' \Big |_{x_1}^{x_2} + \int_{x_1}^{x_2} \frac{d^2}{dx^2} \left ( \frac{\partial f}{\partial y''} \right ) \eta dx \text{.} \]

Voltando a , e substituindo os valores de e , tem-se

\[ I'(0)= \int_{x_1}^{x_2} \frac{\partial f}{\partial y} \eta dx - \int_{x_1}^{x_2} \frac{d}{dx}\left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) \eta dx + \frac{\partial f}{\partial y''}\eta' \Big |_{x_1}^{x_2} + \int_{x_1}^{x_2} \frac{d^2}{dx^2}\left ( \frac{\partial f}{\partial y''} \right ) \eta dx \text{,} \]
de onde, reorganizando os termos e colocando \(\eta\) em evidência, e, finalmente, fazendo \(I'(0)=0\), obtem-se
\[ I'(0)= \int_{x_1}^{x_2} \left ( \frac{\partial f}{\partial y} - \frac{d}{dx}\left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) + \frac{d^2}{dx^2}\left ( \frac{\partial f}{\partial y''} \right ) \right ) \eta dx + \frac{\partial f}{\partial y''}\eta' \Big |_{x_1}^{x_2} = 0 \text{.} \]

A segunda parcela de , \(\dfrac{\partial f}{\partial y''}\eta '\Big|_{x_1}^{x_2}\), é uma das chamadas Condições de Contorno Naturais e deve-se anular para que o funcional se torne estacionário. Porém, o foco nessa parte é tratar a equação de Euler-Lagrange, que é uma condição necessária, mas não suficiente, para que o funcional se torne estacionário. As Condições de Contorno Naturais são tratadas na . Devido, então, ao fato de que a mesma deve-se anular, resta que

\[ I'(0)= \int_{x_1}^{x_2} \left ( \frac{\partial f}{\partial y} - \frac{d}{dx}\left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) + \frac{d^2}{dx^2}\left ( \frac{\partial f}{\partial y''} \right ) \right ) \eta dx \text{,} \]
onde, utilizando o Lema em , a equação de Euler-Lagrange obtida é
\[ \frac{\partial f}{\partial y} - \frac{d}{dx}\left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) + \frac{d^2}{dx^2}\left ( \frac{\partial f}{\partial y''} \right ) =0 \text{.} \]

É importante ressaltar, novamente, que a equação de Euler-Lagrange obtida é uma condição necessária, porém não é condição suficiente para a estacionariedade do funcional.

2.3.2 Equação geral

Para a obtenção da Equação Geral, para funcionais que dependem de derivadas até a ordem \(n\), o processo para a obtenção da equação de Euler-Lagrange é análogo. Em deve-se integrar a segunda parcela por partes uma vez, a terceira parcela duas vezes, a quarta parcela três vezes e assim por diante, até que a \(n\)-ésima parcela seja integrada \(n-1\) vezes, também por partes. Ao fim do processo, a equação de Euler-Lagrange será obtida fazendo \(I'(0)=0\), isto é, aplicando a condição de estacionariedade e, por último, utilizando o Lema . Deste modo, a equação encontrada é

\[ \frac{\partial f}{\partial y} - \frac{d}{dx}\left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) + \frac{d^2}{dx^2}\left ( \frac{\partial f}{\partial y''} \right ) - \frac{d^3}{dx^3}\left ( \frac{\partial f}{\partial y'''} \right ) + \cdots + (-1)^n \frac{d^n}{dx^n}\left (\frac{\partial f}{\partial y^{(n)}} \right ) = 0 \text{.} \]

A equação é escrita, também, como

\[ \sum_{i=0}^n (-1)^i\frac{d^i}{dx^i}\left ( \frac{\partial f}{\partial y^{(i)}} \right ) = 0 \text{,} \]
onde a primeira parcela, \(\dfrac{d^0}{dx^0} \left ( \dfrac{\partial f}{\partial y^0} \right )\), representa \(\dfrac{\partial f}{\partial y}\).

2.4 Exemplos

(Curva de Menor Comprimento entre Dois Pontos) É sabido, do cálculo diferencial e integral, que o comprimento, \(I\), de uma curva \(y(x)\) é determinado por

\[ I=\int_{x_1}^{x_2}\sqrt{1+(y'(x))^2}dx \text{,} \]
que é um funcional que depende de \(y'(x)\). Assim, pode-se determinar a curva \(y(x)\) que minimiza o funcional, ou seja, encontrar a menor curva entre dois pontos dados onde \(x_1\) e \(x_2\) são as abcissas do primeiro e do segundo ponto, respectivamente.

Solução

Como o funcional de depende apenas de \(y'(x)\), sua equação de Euler-Lagrange será da forma

\[ \frac{\partial f}{\partial y} - \frac{d}{dx} \left ( \frac{\partial f}{\partial y'} \right ) = 0 \text{,} \]
onde \(f(x, y, y')=\sqrt{1+(y'(x))^2}\).

De , fazendo as devidas derivações, tem-se a equação

\[ -\frac{d}{dx} \left ( \frac{y'(x)}{\sqrt{1+(y'(x))^2}} \right ) = 0 \text{,} \]
de onde tem-se
\[ \frac{ y''(x)\sqrt{1+(y'(x))^2} - y'(x)\left ( \frac{y'(x)y''(x)}{\sqrt{1+(y'(x))^2}} \right ) }{ 1+(y'(x))^2 } =0\text{,} \]
e, devido ao fato de que o denominador \(1+(y'(x))^2\geqslant 1\), pode-se analisar apenas o numerador, ou seja,
\[ y''(x)\sqrt{1+(y'(x))^2} - \frac{(y'(x))^2 y''(x)}{ \sqrt{1+(y'(x))^2} } = 0 \]
\[ \frac{ y''(x)(1+(y'(x))^2)-(y'(x))^2y''(x) }{ \sqrt{1+(y'(x))^2} } = 0 \text{,} \]
resultando, após manipulações no numerador, em
\[ \frac{y''(x)}{ \sqrt{1+(y'(x))^2} } = 0 \text{,} \]
e, finalmente, \(y''(x)=0\).

A equação diferencial \(y''(x)=0\) pode ser resolvida por meio de integrações sucessivas

\[ \int y''(x)dx = \int 0 dx \Longrightarrow y'(x) = C_1 \]
\[ \int y'(x)dx = \int C_1 dx \Longrightarrow y(x) = C_1 x + C_2 \text{,} \]
ou seja, \(y(x)=C_1x+C_2\). Deste modo, a curva de menor comprimento entre os dois pontos é um segmento de reta.

\cite{mefassan} Considere o funcional de energia potencial de uma viga dado por

\[ \Pi = \frac{1}{2} \int_{0}^{l} EI \left ( \frac{d^2v}{dx^2} \right )^2 dx - \int_{0}^{l} qv dx \text{,} \]
onde \(E\) é o módulo de Young do material, \(I\) é o momento de inércia da seção transversal da viga em relação ao eixo baricêntrico, \(l\) é o comprimento da viga e \(q\) é a carga distribuída de forma uniforme sobre a viga. Encontre \(v(x)\) de modo que \(I\) seja estacionário, com as condições de contorno essenciais, \(v(0)=0\) e \(v(l)=0\), e as condições de contorno naturais \(\dfrac{d^2v}{dx^2}\Big |_{x=0}\) e \(\dfrac{d^2v}{dx^2}\Big |_{x=l}\).

Solução

A determinação de \(v(x)\) pode ser feita diretamente utilizando a equação de Euler-Lagrange (Ver Seção ), porém, aqui será repetido o processo, mostrando que as condições de contorno naturais realmente surgem durante o processo de obtenção da equação. Variando \(v\) por \(\overline{v}_{\varepsilon}=v+\varepsilon \eta\) em , tem-se

\[ \Pi(\varepsilon) = \frac{1}{2} \int_{0}^{l} EI \left ( \frac{d^2\overline{v}}{dx^2} \right )^2 dx - \int_{0}^{l} q\overline{v} dx \text{,} \]
de onde, derivando \(I(\varepsilon)\) em relação a \(\varepsilon\), resulta em
\[ \frac{d\Pi}{d\varepsilon} = \int_{0}^{l} EI \left ( \frac{d^2\overline{v}}{dx^2} \right ) \cdot \frac{d}{d\varepsilon}\left ( \frac{d^2\overline{v}}{dx^2} \right ) dx - \int_{0}^{l} q\frac{d\overline{v}}{d\varepsilon} dx \text{.} \]

Manipulando , e calculando \(\dfrac{d\Pi}{d\varepsilon}\Big |_{\varepsilon=0}\), pois \(\overline{v}\) pode ser substituido por \(v\), naturalmente, chega-se a

\[ \frac{d\Pi}{d\varepsilon}\Big |_{\varepsilon=0} = \int_{0}^{l} EI \left ( \frac{d^2v}{dx^2} \right ) \left ( \frac{d^2\eta}{dx^2} \right ) dx - \int_{0}^{l}q\eta dx \text{,} \]
onde a primeira parcela deve ser integrada, por partes, duas vezes, resultando em
\[ \frac{d\Pi}{d\varepsilon}\Big |_{\varepsilon=0} = \int_{0}^{l} \left ( EI\frac{d^4 v}{dx^4}-q \right ) \eta dx + EI\frac{d^2 v}{dx^2} \eta' \Big |_{0}^{l} - EI\frac{d^3 v}{dx^3} \eta \Big |_{0}^{l} \text{.} \]

Aplicando a condição de estacionariedade, \(\dfrac{d\Pi}{d\varepsilon}\Big |_{\varepsilon=0}=0\), em ,

\[ \frac{d\Pi}{d\varepsilon}\Big |_{\varepsilon=0} = \int_{0}^{l} \left ( EI\frac{d^4 v}{dx^4}-q \right ) \eta dx + EI\frac{d^2 v}{dx^2} \eta ' \Big |_{0}^{l} - EI\frac{d^3 v}{dx^3} \eta \Big |_{0}^{l} = 0 \text{.} \]

É preciso, então, que os termos de se anulem. A primeira parcela de resulta na equação de Euler-Lagrange

\[ EI\frac{d^4v}{dx^4} - q = 0 \text{,} \]
enquanto que as duas outras parcelas são as condições de contorno naturais do problema
\[ \frac{d^2 v}{dx^2}\Big |_{x=0} = 0 \text{,} \]
\[ \frac{d^2 v}{dx^2}\Big |_{x=l} = 0 \text{,} \]
\[ \frac{d^3 v}{dx^3}\Big |_{x=0} = 0 \text{,} \]
\[ \frac{d^3 v}{dx^3}\Big |_{x=l} = 0 \text{.} \]

A equação de Euler-Lagrange pode ser facilmente resolvida, isolando \(\dfrac{d^4 v}{dx^4}\) e integrando ambos os lados da equação quatro vezes seguidas. Ao final desse processo, a função \(v\) encontrada será

\[ v(x)=\frac{q}{24EI}x^4 + \frac{C_1}{6}x^3 + \frac{C_2}{2}x^2 + C_3x + C_4 \text{,} \]
onde os coeficientes \(C_1\), \(C_2\), \(C_3\) e \(C_4\) podem ser determinados através do uso das condições de contorno naturais e essenciais.

Da condição de contorno essencial, \(v(0)=0\), resulta que o coeficiente \(C_4=0\). Aplicando, então as condições de contorno naturais , tem-se

\[ \left ( \frac{q}{2EI}x^2 + C_1x + C_2 \right ) \Big |_{x=0} = 0 \text{,} \]
resultando no valor do coeficiente \(C_2=0\). Utilizando o outro extremo de , tem-se
\[ \left ( \frac{q}{2EI}x^2 + C_1x + C_2 \right ) \Big |_{x=l} =0 \text{,} \]
onde
\[ \frac{ql^2}{2EI}+C_1l=0 \text{,} \]
resultando em \(C_1=-\dfrac{ql}{2EI}\).

Para o último coeficiente, \(C_3\), será utilizado a outra condição de contorno essencial, \(v(l)=0\),

\[ \frac{q}{24EI}l^4 - \frac{ql^4}{12EI} + C_3l = 0 \text{,} \]
tendo, assim, como resultado, \(C_3=\dfrac{ql^3}{24EI}\).

Substituindo, então, os coeficientes \(C_1\), \(C_2\), \(C_3\) e \(C_4\) determinados na função \(v(x)\), encontrada em ,

\[ v(x) = \frac{q}{24EI} x^4 - \frac{ql}{12EI} x^3 + \frac{ql^3}{24EI} x \text{.} \]

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